20070212

Um sim não vinculativo mas pró-mudança

PARA ALÉM DA RETÓRICA DA CAMPANHA
A actual lei portuguesa chegava para despenabilizar, se fosse aplicada como em Espanha?


A vitória do «Sim»
Pedro Curvelo

A vitória clara do «Sim», apesar de não juridicamente vinculativa, no referendo sobre a despenalização do aborto até às 10 semanas de gravidez permite diversas leituras:

1 – A vitória do «Sim» permite a alteração de uma lei injusta e ineficaz. Esperemos que não abra a porta à banalização de um acto que nunca pode ser encarado como vulgar e que as mulheres portuguesas mostrem que os argumentos esgrimidos por alguns defensores do «Não» - que o aborto passaria a ser decidido como um capricho ou que seria mais um método anti-concepcional – não passam daquilo que parecem: slogans primários de quem julga as mulheres como seres menores e desprovidas de discernimento.

2 – Os portugueses continuam a mostrar fraca adesão ao instrumento do referendo, o que obriga a repensar alguns aspectos: deve-se baixar a fasquia da vinculação dos resultados para os 33 ou 40%? Deve-se colar os referendos a actos eleitorais para aumentar a afluência às urnas? Deve-se, pura e simplesmente, acabar com este mecanismo? O que aconteceria se as eleições só tivessem resultados vinculativos com esta fasquia, alguma vez conseguíriamos eleger eurodeputados? Este é um debate que seria útil realizar.

3 – Apesar da elevada abstenção, votaram mais 1,1 milhões de portugueses. Neste referendo votaram mais 444 mil eleitores do que nas eleições para o Parlamento Europeu em 2004. Apenas três distritos (Castelo Branco, Leiria e Porto) alteraram o sentido de voto maioritário face a 1998 - em todos os casos a favor do «Sim».

4 – O dr. Luís Filipe Menezes vence o prémio para «a mais surreal leitura dos resultados» ao considerar que Sócrates sofreu uma «enorma derrota». Somando a abstenção aos votos do «Não», diz Menezes, «uma iniciativa política do primeiro-ministro é reprovada por cerca de 80% dos portugueses». Seria um bom sketch para o Gato Fedorento, mas vindo de alguém que ambiciona liderar um dos dois maiores partidos portugueses é, no mínimo, deprimente.

5 – O PS quer aprovar as alterações à lei até final da sessão legislativa. Óptimo, este é um capítulo que deve ser encerrado o mais depressa possível. É bom sinal que o líder socialista refira a necessidade de um período de reflexão na nova lei.

6 – Com a despenalização do aborto até às 10 semanas poderemos ver o fim do aborto clandestino? Talvez não, mas pelo menos as mulheres que tomem a decisão de interromper a gravidez naquele prazo podem recorrer a meios seguros, legais e sem enriquecer alguns carniceiros.

7 – Como era bom que temas como o apoio à maternidade, a baixa natalidade em Portugal, a inexistente educação sexual fossem debatidos sem ser necessário realizar-se um referendo sobre o aborto...

pedrocurvelo@dinheirodigital.pt

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