20060220

Então o que é o verdadeiro amor?

«Os cientistas estão a descobrir que a mistura de substâncias químicas responsável pelo desencadear da paixão é totalmente diferente da que promove as ligações de longa duração.

Eu casei-me às oito horas da manhã. Era Inverno, o gelo envolvia as árvores e meia dúzia de aves solitárias balouçavam nos fios telefónicos. Tínhamos trinta e poucos anos e considerávamo-nos modernos e desdenhosos. Durante a festa, pusemos ao dispor dos convidados uma caixa de sugestões e pedimos que nos dessem a sua opinião sobre maneiras de evitar o divórcio. Achámos que seria divertido, lúcido e realista fazê-lo, embora as sugestões obtidas fossem na maioria tolas.

Depois de os convidados saírem, a casa ficou silenciosa. Havia flores por todo o lado: botões de rosa e frágeis fetos. “Vamos fazer uma coisa mesmo romântica?”, perguntei ao meu novo marido. Benjamin sugeriu que tomássemos um banho, mas eu não queria tomar banho. Ele sugeriu um almoço de vinho branco gelado e salmão, mas eu estava farta de salmão.

Vamos fazer uma coisa mesmo romântica? A festa terminara, o silêncio parecia sufocante e eu sentia a insatisfação que habitualmente se segue ao final de um acontecimento há muito aguardado com expectativa. Estávamos casados. Hip--hip-hurra! Decidi dar um passeio. Caminhei até ao centro da cidade. Deambulei pelo interior de uma loja de antiguidades. Por fim, dei comigo à porta de uma casa de tatuagens. Não é que eu seja o género de pessoa que se tatua, mas naquele domingo silencioso e frio, por alguma razão que desconheço, resolvi entrar. “Posso ajudá-la?”, perguntou-me uma mulher.

“Há algum tipo de tatuagem que não fique para sempre?”, perguntei.

“Tatuagens de hena”, disse.Explicou-me que duravam seis semanas, eram utilizadas em casamentos indianos, tinham contornos bem definidos e eram muito bonitas. Mostrou-me fotografias de mulheres indianas com jóias no nariz, apresentando os braços desenhados com volutas e rendilhados em hena. Estas tatuagens de hena pareciam ilustrar a complexidade da estrutura entretecida que une duas pessoas entre si, os laços que vinculam as pessoas e a dificuldade que existe em discernir onde começam e onde acabam. Uma vez que acabara de casar e sentia uma espécie de desilusão pós--matrimonial e como queria uma coisa mesmo romântica que me levasse pela noite fora, decidi fazer uma. “Onde?”, perguntou.“Aqui”, disse eu, pondo as mãos sobre o peito e o ventre. Erguendo as sobrancelhas, ela disse: “Claro.”Apesar do meu pudor habitual, tirei a camisa e deitei-me sobre a mesa, ouvindo-a na sala dos fundos a misturar pós e tintas. Depois, apareceu com um pote bojudo pintado de preto, cheio de uma rica polpa vermelha, ligeiramente cintilante, e adornou-me com trepadeiras e flores. Transformou-me o corpo numa estaca de suporte a todo um universo novo de jardins desenhados; então, em redor das ancas e abaixo delas, pintou--me um delicado cinto de castidade formado por elos em cadeia. Uma hora mais tarde, a tinta secou e caminhei até casa, ao encontro do homem com quem acabara de casar. Deixei que me despisse as roupas.“Ena!”, exclamou, recuando um passo.

Corei e começámos.

Actualmente, eu e o meu marido já não começamos, o que não me surpreende. Já nessa altura, vestindo atributos decorativos do desejo, eu sabia que um dia eles iriam esmaecer e que as tatuagens cor de argila vermelha se esbateriam até desaparecerem por completo. No dia do meu casamento, isso não me importava.

Agora importa. Passados oito anos, branca como a cal de parede, aqui estou, com todo o peso e excesso de bagagem que o tempo traz consigo. E as perguntas só se tornam mais insistentes. Será que a paixão tem necessariamente de diminuir com o tempo? Qual a verdadeira fiabilidade do amor romântico, como método de escolha do nosso parceiro? Pode um casamento ser bom quando Eros é substituído pela amizade ou até pela parceria económica – duas pessoas unidas por contas bancárias?

Para que não fiquem dúvidas, eu ainda amo o meu marido. Não há homem que eu mais deseje. Mas o romance é difícil de sustentar no quotidiano desordenado em que se transformaram as nossas vidas. Os laços que vinculam foram desgastados pelo dinheiro, pelas hipotecas e pelos filhos, esses pirralhos que, não sei como, vão apertando o nó e, ao mesmo tempo, enfraquecem as fibras que efectivamente o compõem. Eu e Benjamin não temos tempo para vinho branco gelado e salmão. Em nossa casa, o boneco do Poupas participa sempre no banho.

Tudo isto poderá parecer desolador, mas não é. O meu casamento é como uma peça de vestuário confortável: até as discussões têm qualquer coisa de macio, algo de tão familiar que só pode denominar-se lar. E contudo...

No mundo ocidental, há séculos que elaboramos poemas, contos e peças sobre os ciclos do amor, a maneira como este se transforma com o tempo, a forma como a paixão se apodera de nós, e depois nos abandona, convertendo-nos em algo mais racional.

Leia a história completa nas páginas da National Geographic Magazine


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